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Arte e educação a céu aberto

Atualizado: 19 de mar. de 2020



Texto por Juliana Aguiar Uma galeria a céu aberto vem sendo construída no bairro do Totó, na Zona Oeste do Recife, a partir de uma mistura improvisada de tintas, guiadas pelos traços livres do artista e educador popular José Claiton Carbonel. Ao longo de 18 anos, ele tem sido responsável pela formação de jovens da comunidade por meio de iniciativas independentes, além de atuar no Centro Cultural de Comunicação e Juventude (CCJ/Recife). No projeto, capacitou mais 500 profissionais, em oficinas, cineclubes e intervenções realizadas em Amaro Branco e Rio Doce, em Olinda e Vila Sul, no bairro de Afogados, no Recife. É a partir da percepção auditiva, dos desenhos, dos olhares e das expressões corporais que os alunos acessam às artes como forma de conhecimento, resultando nas reflexões e pensamentos analógicos que atravessam o aprendizado. Na semana que é comemorado o dia dos professores, em parceria com a revista Propágulo, o Retruco lança o olhar sobre a arte-educação e os efeitos das práticas artísticas na construção do cidadão.



Arquivo pessoal de Carbonel

Quarto filho de Leide e Carlos, Claiton teve a infância permeada por olhares desconfiados e a rotina conturbada da uma moradia aos fundos do Complexo Prisional do Curado, um dos maiores do Brasil, localizado no bairro do Sancho, na Zona Oeste do Recife. Crescer em um região periférica, colocado à margem da sociedade e sendo vítima constante de racismos sistemáticos, levou Claiton a buscar na arte uma maneira de firmar a sua identidade. "Dona Leide, minha mãe, enfrentava as dificuldades por ser uma mulher negra, pobre e mãe de cinco filhos, que ficava em casa cuidando de tudo para meu pai, Carlos, se formar como técnico em eletrônica e garantir o sustento da casa", conta José Claiton, 38 anos, dono da alcunha Carbonel que escolheu como nome artístico.


Como recompensa das horas que passava fora de casa trabalhando, Carlos comprava almanaques da Turma da Mônica para os filhos. Enquanto uns liam e testavam as primeiras palavras que aprenderam, Carbonel fazia interpretações próprias a partir dos desenhos. "Eu sou muito observador. Desde pequeno gostava de tirar fotos da minha família e registrar tudo o que via. Depois comecei a fazer as capas de cadernos da escola dos meus irmãos, ilustrando com o que eles gostavam", relata. Aos 14 anos, Carbonel já realizava um comércio improvisado de sua arte: trocava desenhos que fazia dos Cavaleiro dos Zodíaco em folhas de cartolina por lanche na escola. Seis anos depois, a arte começou a ocupar um espaço profissional na sua vida. "Eu vivia aqui no Totó e meus desenhos eram o que eu conhecia de grafite. Então fui me interessando mais e me reencontrando os colegas da comunidade, Florim e Zabumba, e eles me levaram até Binho, Guga e Galo de Souza, que vinham fazendo ações de grafite nas ruas e muros do Recife, a partir daí comecei a sair da comunidade em direção ao centro do Recife", explica.


Foto: Marlon Diego/Retruco


De acordo com o educador, é no Centro da cidade que estão as melhores oportunidades no ramo, como iniciativas privadas e ações da prefeitura, mas é preciso democratizar o acesso e descentralizar a produção. Conciliando a rotina de ações sociais no Totó com as experiências externas, o artista começou a se aprofundar na arte urbana, aborígene e popular. "Falo em aborígene porque é um processo de baixo custo e canibal, fazemos com o que temos nas mãos. Essa é nossa linha de frente. Por isso eu considero muito o mangue, como um reflexo de vários ecossistemas que conseguem oxigenar a vida real, assim como o grafite", pontua.


EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE


O nascimento de primeira filha, há 5 anos, fez Carbonel perceber que a arte poderia ter uma relação ainda mais forte com a educação. “É possível ser transformador através da arte. Eu admiro Paulo Freire e Josué de Castro, mas eles são grandes pensadores, não nasceram nas "quebradas" e não conhecem os processo que passamos. Agradeço muito eles, se não fossem eles, não teria ninguém estudando a gente como eu vejo hoje nas universidades, mas nosso trabalho é feito no dia a dia, no improviso", pontua. Atualmente, o educador popular realiza atividades relacionadas ao ativismo negro, juventude, idosos e luta antiproibicionista, além de ser convidado a ministrar palestras nas universidades federais de Pernambuco (UFPE), Rio Grande do Sul (UFRS) e Rio de Janeiro (UFRJ).


Para Carbonel, há uma diferença entre o grafite produzido no Nordeste e em outras partes do mundo, e por isso, a valorização do seu trabalho no exterior é latente. "A galera me chama de louco por dizer isso, mas existe o grafite da Europa e o nordestino, que é uma linguagem de vários processos. É uma arte de baixo custo, indígena, aborígene e negra que vem sendo bombardeada pelos estrangeiros ou por pessoas até mesmo daqui do Recife que vão fazer cursos fora e voltam com várias técnicas, deixando a gente no espaço da marginalização. Queremos mostrar que temos vários artistas fodas aqui, pintando toda a comunidade e estamos crescendo", ressalta Carbonel, lembrando que o grafite de rua foi representado na decoração do 53º Baile Municipal do Carnaval do Recife, pelas mãos do artista Adelson Bóris. À frente da ONG Cores do Amanhã, o grafiteiro atua fortalecendo crianças e jovens da Região de uma forma mais inclusiva e ocupacional através das artes de rua.


"Meu estilo de pintura é livre e uso cores alegres. Na verdade, faço com o que tem, de uma forma leve, e vou me transformando, adaptando. Não tenho um leque de cor. Sou influenciado pelas minhas experiências enquanto artista negro que valoriza a sua comunidade e também me inspiro nas experimentações dos meus amigos”, revela.

Seus grafites já foram exibidos em cidades do Brasil e em países como Alemanha, Itália, Bélgica e Holanda, onde estreou em 2011. "Eu vendo arte minha aqui por R$ 500 a R$ 2 mil, mas nos festivais do exterior o meu trabalho já chegou a ser especulado em valores muito mais altos como R$ 12 milhões. É bizarro não ter minha arte reconhecida aqui. Até onde vai o valor da arte no Brasil? O país olha muito mal pra arte e não acredita que a arte educação transforma, quem acredita são os jovens que estão se articulando através de suas redes, mas faltam mais incentivos. É preciso ter um diálogo comunitário e cobrar aos gestores dos governos sempre", tensiona. O acesso à diversidade artística, com o passar dos anos, tem sido cada vez mais aliada aos recursos tecnológicos e científicos. Da mesma forma, o educador popular Carbonel destaca o crescimento da internet como o maior propulsor da arte urbana no Recife atualmente. "A arte sempre foi representada por quem tinha dinheiro ou conhecimento, mas hoje em dia nós, negros e pobres, também temos redes sociais e amplo acesso à internet para divulgar os nossos trabalhos. Eu tenho me utilizado muito dessa ferramenta", ressalta.


ARTE-EDUCAÇÃO


Foto: Marlon Diego/Retruco

A educação através da arte praticada por Carbonel e outros profissionais autônomos, vem sendo implantada, com algumas limitações, dentro do modelo educacional brasileiro desde 1971. Na época dos militares, a prática de um ofício foi inserida enquanto Educação Artística e tinha um caráter mais recreativo. Em 1996, recebeu o nome de Arte-Educação e se tornou disciplina curricular para rede pública e privada do Brasil, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A proposta era promover o desenvolvimento cultural dos alunos, garantindo o amplo acesso da arte enquanto um patrimônio cultural da humanidade. Porém, a maioria das escolas não possuíam condições de estrutura para manter essa divisão e, apesar dos esforços, não foi colocada em prática. A Lei foi alterada em 2016, adicionando dança, teatro e música como disciplinas obrigatórias.


Por definição, a educação em arte é apresentada de duas formas na sociedade. As atividades sistemáticas são as realizadas nas escolas ou demais instituições de ensino. Assistematicamente, ela ocorre através dos meios de comunicação de massa e das manifestações não institucionalizadas da cultura, não limitada à preservação de tradições, como é repassada pelo educador Carbonel. "É transformador ver o grafite dentro da educação. Quando eu era criança, sofria preconceito pela cor da minha pele e não pensava na força negativa que o racismo tinha sobre mim. Depois comecei a ver que esse preconceito também estava presente na minha arte de rua, por ser marginal, mas agora tenho mais consciência e sei que posso estar em um festival internacional, na capa de uma revista, em qualquer lugar, mas o meu grafite não deixa de ser arte por ser marginal", pontua José Claiton Carbonel.


Para além da necessidade de expressar, comunicar e impressionar esteticamente, o pensamento artístico atua na formação do indivíduo no movimento de dar sentido às experiências humanas, seja por suas naturezas ou diferentes culturas. Uma das pioneiras no pensamento da arte-educação, Ana Mae Barbosa, acredita que através da linguagem, o aluno desenvolve uma sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar as suas próprias artes quanto ao apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas. Os estudos serviram de base para os Parâmetros Curriculares Nacional de 1971. Há dois anos, como forma de desenvolver, a partir da arte, a criticidade, a capacidade de analisar, dialogar, concluir, discutir questões sociais, políticas e culturais, o Ministério da Educação regularizou a Base Nacional Comum Curricular, firmando como componentes obrigatórios: artes visuais, teatro, música e dança.



Foto: Marlon Diego/Retruco


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