top of page

Como a experiência do Zika Vírus e outras epidemias ajuda Pernambuco com o Coronavírus?

Atualizado: 15 de abr. de 2020

Entrevista por Alice de Souza

O pesquisador Lindomar Pena segura uma placa de exames laboratoriais em frente à câmera
O pesquisador Lindomar Pena segura uma placa de exames laboratoriais em frente à câmera

Em 2015, Pernambuco era a China. Recife, Wuhan. O estado e a capital estavam no epicentro do furacão que passou na saúde mundial, o zika vírus. A chegada de um novo agente causador de doenças e suas visíveis consequências no nascimento de bebês gerou apreensão. Se hoje é o álcool em gel e as máscaras que faltam nas prateleiras, naquela época eram os repelentes. A situação demandou um esforço urgente e coletivo da ciência para encontrar respostas, acalmar os ânimos e combater a expansão da epidemia.


Naquela época, Pernambuco não foi só o foco dos primeiros casos, também foi protagonista na articulação de pesquisas. O pesquisador do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fiocruz Pernambuco Lindomar Pena esteve à frente de muitos dos estudos realizados, inclusive o que identificou que a América Central e o Caribe foram as rotas de entrada do zika no país, desmentindo teorias que acreditavam que o vírus havia chegado durante a Copa do Mundo de 2014.


Lindomar tem experiência em estudar agentes causadores de epidemias e pandemias. Entre 2008 e 2011, esteve no Estados Unidos realizando o doutorado na Universidade de Maryland, escolhendo como foco do estudo o vírus H1N1, causador de uma pandemia em 2009. Desta vez, estará no front para entender o novo coronavírus Sars-Cov-2, a partir da Fiocruz Pernambuco. Junto ao International Development Research Centre (IDRC), do Canadá, irá iniciar estudos para desenvolver testes rápidos para o novo coronavírus no Recife.


Em entrevista à Agência Retruco, Lindomar explica como as experiências deixadas por outras epidemias de coronavírus e também do zika vírus podem ajudar o Brasil e os pesquisadores brasileiros a encontrarem soluções e respostas para o momento atual. Para ele, o país poderia ter se preparado para a pandemia antes da chegada dos primeiros casos e ainda não é possível afirmar durante quanto tempo haverá a necessidade de manter o “isolamento” entre as pessoas. “No fim, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta”, alerta.


O que o novo coronavírus Sars-Cov-2 traz, do ponto de vista da virologia, de novo em relação a outros coronavírus que já causaram epidemias no mundo, como os que levaram à Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) e à Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars)?

Os coronavírus são uma família grande, composta por sete vírus que infectam humanos. Desses, três deles causam doenças graves: o Sars-cov, o Mers-cov e esse novo (Sars-Cov-2). O novo vírus tem 80% de identidade com o Sars e 50% com o Mers. Esses três vírus, está comprovado, são originários dos morcegos. No caso da Sars, havia um hospedeiro intermediário, o gato “civeta”, cuja carne é consumida em alguns lugares da Ásia. O Mers surgiu no Oriente Médio e tinha como hospedeiro intermediário o dromedário. Já o novo vírus tem 96% de similaridade com o vírus de morcego, mas não sabemos ainda se houve um hospedeiro intermediário para chegar aos humanos. Há duas diferenças entre ele e os outros dois que chamam atenção. Uma delas é que foi identificado o receptor no qual o vírus se liga: o vírus para infectar uma célula humana se liga em uma proteína na superfície de célula, usando o mesmo receptor que a Sars. Porém, o coronavírus novo faz isso de forma muito mais eficiente. Isso pode explicar porque ele é mais transmissível. O outro aspecto é que foi identificado no genoma que ele usa um mecanismo diferente dos outros dois para replicação e maturação. Ele usa a proteína furina, que é distribuída por todo o corpo. Apesar de ainda precisarmos de mais estudos, isso pode explicar a gravidade da doença.


Há diferenças, no que diz respeito a comportamento, transmissão e expansão de casos, entre os tipos de coronavírus que causam doenças graves em humanos?

Na questão das diferenças, esse vírus novo leva a uma mortalidade menor. É três vezes menos letal que o Sars e 10 vezes menos que o Mers. Do ponto de vista da virologia, essa é uma atribuição favorável para ele. No quesito evolutivo, não é interessante para um vírus matar um hospedeiro. O objetivo dele é sempre evoluir, perpetuar a existência. Porém, o coronavírus novo tem uma capacidade de transmissão muito maior do que os outros dois, o que fez com que ele causasse essa pandemia e os outros não. A habilidade dele de causar uma transmissão sustentada de pessoa para pessoa é a grande diferença, mas a gente ainda não sabe o porquê disso.

Por que esses vírus passam a circular entre humanos?

Os três são originários do contato com animal silvestre. Esse é um aspecto muito importante, pois decorre da ruptura do equilíbrio natural provocada pelos seres humanos. Podemos dizer que essa é a gênese desse novo vírus, o ser humano interferindo no equilíbrio natural. Uma coisa é você ter contato com morcegos numa trilha, na zona rural, outra é você tirar ele da natureza, colocar vivo à venda em um mercado onde transitam milhares de pessoas por dia.


Então, de certa forma, a pandemia é culpa direta da ação humana sobre o meio ambiente?

Há boatos de que esse vírus foi criado em laboratório, mas isso é totalmente descabido. Pode contactar o maior especialista do planeta em coronavírus e ele não teria como fazer um coronavírus em laboratório. O conhecimento científico atual não permite saber quais as mutações que fazem um coronavírus ser tão transmissível. A maioria das doenças que emergem na população humana têm origem no reservatório animal. A maioria. Nos animais silvestres. E essa ruptura do equilíbrio ecológico, do ser humano construindo em áreas de mata, onde tem animais silvestres, aproximando o contato com eles, ajuda. A questão da urbanização e até da globalização facilitam, favorecendo os deslocamentos. Essa pandemia é um exemplo claro disso. Mas o principal aspecto é a ruptura do equilíbrio ecológico.


O Nordeste, e especificamente Pernambuco, estiveram no centro de atenção do mundo em 2015, em função da epidemia de casos de zika vírus. Quais as semelhanças e diferenças daquele momento para o atual, do ponto de vista de estrutura e preparo para lidar com a situação aqui?


O zika é transmitido diferente - principalmente por meio do mosquito-, então envolve uma relação direta com saneamento, coleta de lixo, acometimento da população menos favorecida do ponto de vista econômico. Nesse vírus agora, começa diferente. A forma de controle é diferente. Todo caso, a experiência com o zika permite lidar melhor com essa situação agora, do ponto de vista da formação de grupos de pesquisa, de como estamos nos relacionando. Temos relações com grupos de cientistas que foram consolidadas no episódio da epidemia do zika. Isso vai nos ajudar a adaptar as plataformas já existentes pra enfrentar o coronavírus. A gente já tem projetos em andamento relacionados a vírus respiratórios, mas é preciso aumentar a quantidade de pessoas treinadas na área. Para arboviroses, já tínhamos mais pessoas treinadas aqui em Pernambuco.


O que poderíamos extrair daquela vivência da epidemia do zika, no sentido de organização e estruturação científica para pesquisa, que poderíamos replicar neste momento para encontrar medidas eficazes de contenção da pandemia no Brasil?

Acho que a questão da divisão de tarefas e articulação dos grupos de pesquisa, para responder às principais perguntas em aberto, desenvolver testes diagnósticos, medicamentos e vacinas. Com o zika, havia uma linha de desenvolvimento de antivirais já consolidada, o que certamente vai nos ajudar muito a desenvolver o mesmo para o coronavírus agora.


Considerando as características geográfica e socioeconômicas brasileiras, o que podemos esperar do futuro próximo no país com relação ao comportamento dos casos de Covid19 aqui?

É difícil prever o comportamento do vírus e da doença aqui no país por alguns motivos. Um deles é a diferença de clima. Os países mais afetados, onde a pandemia começou, estão no inverno neste momento. Há um aspecto já comprovado de que a transmissão é menos eficiente em temperaturas elevadas. Então, a cadeia de transmissão aqui talvez não seja tão efetiva, pois estamos em um país tropical, com umidade elevada. O clima também interfere na sobrevivência do vírus no ambiente. Há um estudo mostrando que ele sobrevive 72 horas no plástico, mas essa pesquisa foi feita em uma temperatura de 21°C. No Recife, dificilmente chegamos a isso. Então, o tempo de sobrevida do vírus aqui pode ser menor. Há ainda outro aspecto, o da higienização. As pessoas estão falando muito de álcool em gel, mas a gente não sabe a efetividade ainda dele para esse vírus. Para influenza, por exemplo, água e sabão faz mais efeito que álcool em gel. No Brasil, a densidade demográfica pode contar a favor, se comparada à China ou Europa.


Há outros aspectos nessa conta?

Um deles é o de controle. A eficácia das estratégias de controle. Alguns países conseguiram controlar bem, caso de Taiwan, que usou o distanciamento social. Acho que o Brasil está fazendo isso de forma efetiva, cancelando eventos, fechando estabelecimentos. Mas tem outros aspectos, por exemplo, que foram usados e não poderíamos usar aqui. O teste em massa da população é um deles. A Coreia do Sul fez isso muito bem, mas no Brasil não temos condições. É um custo elevado, além de não termos tantos laboratórios habilitados. Precisamos melhorar a capacidade dos laboratórios e descentralizar as atividades. A experiência dos outros países nos ajuda, mas é difícil prever. No fim, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta.


Então as medidas restritivas de circulação de pessoas, fechamento de fronteiras e distanciamento social são as mais eficazes na contenção dos casos?

A experiência de outros países mostra que sim. Que elas ajudam a diminuir o número de novos casos, a transmissão e consequentemente a sobrecarga dos sistemas de saúde. Você pode atender com qualidade os pacientes que realmente precisam e diminuir com isso o número de mortes.


Mas dá para estimar até quando precisaremos viver “em isolamento”?

Não existe vacina nem antiviral ainda, então é o que se pode fazer no momento. É difícil prever, mas uma opinião pessoal: acho que no primeiro semestre não vamos ter uma vida normal. A China deixou de ter transmissão local três meses depois da chegada da epidemia, dos primeiros casos. Se aqui se comportar igual, teremos três meses mais difíceis agora. Por isso, digo que é melhor pecar por excesso do que termos alta mortalidade e hospitais superlotados, como está acontecendo na Itália.


O Brasil deveria ter iniciado as ações de prevenção e controle mais cedo?

O diagnóstico aqui foi feito de forma rápida, mas poderíamos ter criado mecanismos de preparo para se antecipar à pandemia. Ter mais laboratórios capacitados. Nós esperamos o vírus chegar para poder capacitar os laboratórios, só estamos fazendo isso agora. Quando o vírus chegasse aqui, a gente sabia que iria acontecer a transmissão comunitária, já era esperado. Olhando para trás é mais fácil dizer hoje que deveríamos ter tido controle mais rigoroso na entrada de pessoas e no monitoramento delas. Se observarmos, os primeiros casos vieram com pessoas que estavam viajando. Há uma grande diferença do ponto de vista social, por exemplo, para a questão do zika vírus.


Quais são os principais desafios, a partir de agora, para os cientistas brasileiros em relação ao coronavírus novo?

Um dos desafios é o desenvolvimento de métodos diagnósticos de baixo custo e métodos rápidos, pois isso vai permitir a identificação precoce de pacientes, rastreamento de contatos dos pacientes e, com isso, se consegue estabelecer as estratégias de controle. Esses testes rápidos poderiam ser desenvolvidos em dois meses, mas não depende só do trabalho científico. É preciso apoio do Ministério da Saúde no desenvolvimento, com financiamento. A parte técnica a gente domina. Apoiar financeiramente a implementação dele não depende dos cientistas, mas de questões políticas. Na época do zika, por exemplo, foi aberto um edital emergencial de financiamento de pesquisa. Submetemos um projeto para criação de teste rápido, mas até hoje só recebemos do governo estadual metade do valor previsto. O projeto foi executado por financiamento estrangeiro. Outro desafio é o trabalho coordenado com outros grupos no desenvolvimento de vacinas e, uma vez que ela for desenvolvida, a implementação dessa vacinação. É preciso pensar como ela será feita porque a gente tem hoje um calendário para a influenza. Essa vacina vai ser aplicada com a vacina de influenza? Existirá interferência de uma vacina com a outra? Qual vai ser a população imunizada? São questões que precisam ser respondidas.



bottom of page