top of page

Cinco passos para entender a segurança pública no Brasil

Atualizado: 20 de mar. de 2020


Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Coluna assinada por Renan Araújo

Insegurança nas ruas. Guerra às drogas nas comunidades. Rebeliões nas prisões. Confusa queda nos homicídios. A segurança pública no Brasil é caótica há pelo menos três décadas e alguns fenômenos podem ser difíceis de entender. Nesse caos, políticos puxam a sardinha para os seus lados e a população pode ficar confusa com certas estatísticas e notícias. Nos cinco parágrafos a seguir, vamos entender alguns fenômenos e tentar encontrar mais sentido na segurança pública atual do nosso país.


1. A taxa de homicídios tem caído, então o país está mais seguro... certo?

Não necessariamente. A taxa de homicídios é comumente utilizada como indicador da quantidade de crimes por ser mais “objetiva” que outros delitos: é mais difícil esconder um corpo do que não saber da ocorrência de um furto ou um estupro. Entretanto, ela não deixa de ter muitas limitações. Homicídios tendem a ser concentrados em uma pequena parcela da população que mata e morre – mas, outros tipos de criminalidade atingem mais a população em geral, como roubos e violência doméstica. Além disso, há pesquisas que mostram graves manipulações estatísticas pela polícia desses dados. Afinal, se é a polícia quem faz essa conta e é ela mesma quem tem que atingir metas, há um conflito de interesses que tem de ser considerado na confiabilidade desses dados.


2. Então como entender a queda nos homicídios?

Mesmo considerando a queda na taxa de homicídios, muitos outros fatores impactam tal queda do que a atuação estatal. O principal deles é a guerra entre as facções. Os homicídios são concentrados em uma pequena parcela da população. Essa parcela, geralmente, é a que está envolvida com a guerra do tráfico de drogas: facções lutam entre si e a polícia, que também entra na briga. Quando há mais conflitos entre facções ou com a polícia, mais pessoas morrem. Se há menos conflitos, os homicídios caem. Por isso, várias pesquisas [1, 2, 3] têm indicado que a queda nos homicídios é relacionada ao domínio imposto por certas facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo. Nos últimos anos, o PCC e o Comando Vermelho (CV) alcançaram crescimento a nível nacional, dividindo fronteiras e ocasionando conflitos entre si e com facções locais, como a Família do Norte no Amazonas e a Guardiões do Estado em Fortaleza. Após o caos dos últimos anos no sistema prisional, tais facções teriam chegado a um acordo e essa pacificação teria acarretado a queda nos índices de homicídios. 3. Então a violência está caindo ou não?

Há fatores mais profundos do que flutuações na taxa de um único crime para entender o quadro de violência do Brasil. Um dos principais problemas é a crescente guerra às drogas que se instala no país. O crime organizado tira grande parte de sua subsistência do comércio ilegal de drogas e a resposta estatal militarizada não contribui. Enquanto esse mercado for proibido, haverá disputas fora da lei e violentas por seu domínio. Outros fatores mais amplos envolvem as diversas mazelas sociais e econômicas que assolam grande parte da população brasileira: pobreza, falta de acesso a saneamento, saúde, oportunidades de emprego e educação estão correlacionados com altos índices de violência. Portanto, além da pacificação das facções (até o momento), a melhora nos indicadores socioeconômicos nos últimos anos, após a crise do governo Dilma, pode ter sido um dos fatores para a redução da violência. Entretanto, análises mais profundas ainda têm de ser feitas.e


4. O que fazer, então?

Diversas pesquisas [1, 2, 3] mostram que o impacto que a polícia pode causar no controle do crime é limitadíssimo. É natural e intuitivo pensar na polícia como a principal instituição que combate o crime, mas essa é uma intuição equivocada. O principal trabalho da polícia é manter a ordem através da possibilidade do uso da força, o que envolve agir como assistentes sociais, mediadores, psicólogos, paramédicos, enfim, uma série de atividades que, auxiliadas pela possibilidade do uso da força, efetivamente não envolvem força alguma. Manter a ordem não envolve capturar criminosos 24 horas por dia: nem poderia envolver, porque isso seria impossível dadas as capacidades nas mãos dos policiais.


5. Além disso, violência e criminalidade dependem de muitos fatores mais amplos e inacessíveis à atuação policial, como já dito Na realidade, algumas intervenções policiais e militares tendem a piorar o problema da violência. Enfim, não há receita mágica: a redução da violência e da criminalidade passa pela retirada de circunstâncias que originam esses fenômenos: pobreza, falta de acesso a serviços básicos, criminalização de mercados inteiros (sim, as drogas), e assim por diante. É um projeto de longo prazo, mas, se não o for, jamais haverá mudança significativa na segurança pública brasileira.

bottom of page