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INSS em tempos de coronavírus: o milagre da multiplicação dos sindicatos


Coluna por Jefferson Sousa


É comum nas pequenas cidades nordestinas, principalmente as mais afastadas das capitais, que serviços de facilitações burocráticas nasçam na medida em que novos benefícios públicos apareçam. Com foco nos trabalhadores rurais e analfabetos, siglas de sindicatos se multiplicam, cresce o número de grupos de advogados recém formados indo até às casas de pessoas em situação de escassez de recursos, oferecendo ofícios, entre outros fenômenos de colarinho. Em resumo, não faltam bons corações querendo ajudar o próximo e, claro, cobrar valores altíssimos em cima de atividades que são, garantidas por lei, gratuitas para o beneficiado.


Desde a paralisação de diversas prestabilidades públicas presenciais em março de 2020 ocasionada pelas precauções sanitárias referentes ao COVID-19, aposentadorias que precisavam de comprovações externas às agências foram embargadas no INSS, como, por exemplo, pela impossibilidade de um servidor público ir conferir a existência das terras de um determinado cidadão que está solicitando a aposentadoria como agricultor. Com novos trâmites sendo postos em cima de uma já longa papelada, novíssimos pseudo-sindicatos começaram a tirar vantagem em cima das recentes complicações.


Acompanhando uma agricultora na busca pela aposentadoria

Maria Cineide, agricultora do sítio Ariú, zona rural da cidade pernambucana de São José do Egito, buscou um sindicato que se apresentava como muito organizado, com prédio fixo, na esperança de conseguir o seu benefício o quanto antes, realizando a solicitação do benefício em dezembro de 2019. Sem conhecer os trâmites do processo, pagou os 170 reais que o tal sindicato disse ser necessário para que o preenchimento de seus dados fossem efetuados no site do INSS. A cobrança indevida foi apenas o pontapé inicial de uma longa trajetória de enganações.


Durante o cadastro escaneando os documentos no site do INSS, a funcionária do sindicato fajuto realizou todas as tarefas propositalmente erradas. Não foram dois ou três documentos errados, mas sim todos, mais de 20 com fotos e nomes de uma outra Maria. O motivo, para analistas, é o de ir impossibilitando a aposentadoria pelo maior número de meses possíveis e, nesse período, ir cobrando cada vez mais valores com a falsa justificativa de que é o governo quem está exigindo mais pagamentos. Uma hora, após tantos erros no sistema do INSS, a solicitação tende a ser cancelada de vez e, como desde 2018 os sindicatos não têm mais papel fundamental em mediações previdenciárias deste cunho, a culpa dos erros e consequente anulação da aposentadoria cairá toda sobre a vítima.


"É ilegal qualquer cobrança de serviço específico feita por um sindicato. O sindicato pode receber uma contribuição sindical, geralmente mensal, ou um donativo, se a pessoa quiser doar", explica Vicente de Paula, ex-presidente regional da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (FETAPE), sigla em atividade há mais de 56 anos nas cidades dos sertões de Pernambuco.


A cada solicitação de documento, muitos não requisitados pelo site do INSS, a funcionária do sindicato ia adiantando que o processo estava muito difícil e que iria precisar cobrar mais dinheiro. Quando a filha de Maria Cineide pediu o login e a senha para supervisionar os trâmites do processo, a funcionária do sindicato prendeu os documentos da vítima e passou a ameaçar a filha e a mãe afirmando que se elas acessassem, a solicitação da aposentadoria seria totalmente perdida e nenhuma outra solicitação poderia ser feita depois. Obviamente, tudo mentira, mas a técnica de amedrontamento em uma área nebulosa como é a do direito pode ter uma força descomunal.


"É ilegal só o fato de haver outro dito sindicato exercendo atividades nestas cidades da região, já que também é garantido por lei que não haja mais de um por município de até 50 mil habitantes (São José do Egito tem menos de 35 mil habitantes, segundo o IBGE). Se tiver alguma suspeita de falcatrua no processo, a culpa será unicamente do solicitante do benefício, criando assim, nas condições da nossa região, uma lacuna para esse tipo golpistas. Todo cuidado é pouco", conclui Vicente.


Conclusão sem conclusão

Através do empenho de alguns contatos de pessoas próxima a Cineide, só depois de ameaças portando na mão o artigo 3 da lei de número 5553 da Constituição Federal - que criminaliza a retenção de qualquer documento -, a funcionária do sindicato veio a devolver todos os arquivos e abandonou o processo no site do INSS prometendo não atrapalhar mais, mas, claro, não devolvendo o dinheiro cobrado indevidamente até ali. Os documentos corretos foram enviados através do site do INSS e Cineide conseguiu a aposentadoria de maneira rápida e gratuita.


Uma curiosidade desta etapa final foi a de que não havia uma aba ou opção no site para apagar os arquivos anteriores, apenas para enviar novos. Como já dito acima, a funcionária do sindicato preencheu os formulários de Maria Cineide com os documentos de uma outra Maria. A solução foi enviar os arquivos corretos escrevendo toda a história contada nesta coluna em um balão de observações que, pelo resultado positivo do processo, foram compreendidas e acatadas. A dúvida que resta é a de como deve está a situação da outra Maria, sem contatos para intervir por ela e, sem desarvorar a reflexão, a de quantas Marias que estão sendo vítimas de investidas criminosas como esta neste exato momento?


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