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Mamãe coragem em tempos de pandemia

Coluna por Amanda Borba

Amanda Borba cortando o cabelo de seu filho Francisco
Arte: Camila Queiroz

A maternidade é uma experiência transformadora. No meu caso, ela foi, em muitos sentidos, revolucionária, até. Trazer uma vida ao mundo e/ou mantê-la, ser responsável por um coração fora do peito, não apenas é uma experiência marcante, como, muitas vezes, angustiante, que põe medo mesmo, e impõe a nós muitas mudanças.


Criar um filho é, por si só, arriscado, sob vários aspectos. Além de todas as questões objetivas como alimentação, cuidados, custos e trazer um novo ser humano a esse mundo de tantas violências e injustiças, a mãe arrisca-se quando necessariamente passa a chafurdar gavetas profundas dentro de si, a questionar-se como filha, a maturar-se como mulher. E, neste movimento, aprendi com a maternidade uma lição importante:

é possível escolher ser ou não ser mãe, mas acho que a gente nunca decide ser a mãe que a gente é. Apenas acontece, ou vai acontecendo, em um ofício nunca acabado, em um eterno devir que guarda estreita relação com nosso desenvolvimento enquanto ser humano mesmo.


Eu nunca pensei ser essa mãe 2020, inserida em um contexto de pandemia neste nível em que todos nós estamos vivendo, isolados uns dos outros, sem nossas redes de apoio, desprevenidos pela simples impossibilidade de prever uma semana à frente sequer. Mas essa mãe que vos fala segue acordando no meio da noite ao chamado do filho, continua encolhendo-se de banda na cama miúda para sobrar mais espaço para ele, briga para o filho comer, torce que o cocô chegue, reclama da TV, beija e passa álcool em gel em todos os brinquedos. Eu sigo dizendo “coma”, “lave as mãos”, “entra para o banho”, “cuidado para não cair”, pois não há muito mais a ser feito. Mas também me permito ser menos rígida comigo e com ele, quando flexibilizo os horários e a qualidade do que ofereço como alimento e entretenimento.


Francisco tem 4 anos e já passou por duas pandemias. Na primeira delas, a do zika, ele fazia parte do grupo de risco, pois era apenas um feto, dentro da minha barriga, justamente o alvo do vírus, como vocês devem lembrar. Eu e outras grávidas da época cobríamos o corpo, batíamos à porta de todas as farmácias em busca de repelentes e nos isolávamos em casa sem saber se qualquer uma dessas atitudes garantiria a saúde dos nossos filhos, que ainda nem tinham nascido. Naquele tempo, não muito distante, a guerra era pelos repelentes; hoje, pelo álcool a 70%.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Cá estamos, no ano de 2020, passando por uma nova pandemia, que já sinaliza entrar para a história como uma das mais severas enfrentadas pela humanidade. Cá estou também, assim como muitas outras mães, com meu filho – não mais no útero, mas no colo, em casa – cuidando de tudo o que está ao meu alcance, no meu controle. E não consigo parar de pensar nas outras mães, que seguem suas tarefas “invisíveis” de carregar, na maioria das vezes, uma família inteira nas costas. Penso nessas mães, que também são mulheres, e no espaço que elas provavelmente não têm para suas próprias angústias individuais – ainda mais cabíveis neste momento –, pois precisam seguir, continuar equilibrando todos os pratos da vida: filho, trabalho, casa, pais idosos, boletos etc.


Quando nos tornamos mães, muitas vezes automaticamente nos esquecemos que somos filhas – às vezes de mães que não estão presentes, não foram presentes ou que já se foram, mas, ainda assim, filhas, no sentido de que também precisamos de cuidados e não apenas de cuidar. Então, em nome desse Dia das mães que passou, torço para que cada uma de nós se dê de presente essa trégua consigo, uma pausa na autocobrança, e estimule o pensamento que diz que também precisamos nos cuidar e nos deixar ser cuidadas.


Não sei como foi o Dia das mães de vocês, imagino que não tenha sido fácil – mais difícil para umas do que para outras, sem dúvida. No meu, passei o dia inteiro pensando em como eu queria ser mais filha do que mãe nesse momento, e achei por bem dividir isso com vocês.


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