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O anarriê da Covid-19 na economia cultural das festas juninas


Foto: Chuttersnap

Por Jefferson Sousa

Olha as festas juninas! É mentira! As quadrilhas de São João e São Pedro de 2020 não foram tão bilíngues quanto de costume, deixando o tão variado repertório de bordões originários do francês resumidos apenas no indesejado Anarriê (en arrière), que na cerimônia solicita que os casais dançantes vão para trás. A Covid-19 embargou as festas juninas e, como já era de se esperar, trouxe consequências tão contagiosas quanto ela mesma para a economia cultural do nordeste brasileiro.


Com os irrevogáveis e infelizmente necessários cancelamentos das milhares de atrações artísticas que se distribuíram pelo Brasil neste mês, com enfoque no Nordeste, não só os músicos dos estilos musicais associados à época esbarram no triunfo da epidemia: do sanfoneiro tocando a décima quarta vez no mesmo dia "Numa sala de reboco" aos vendedores que saem de rua em rua com um alto-falante em um fiat uno mile 1998 cheio de espigas gritando "ô o milho", não teve quem não caísse na dança, ou melhor, na falta dela.


Anarriê

Falando em valores, com base no Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos últimos anos, é estipulado que somente as cidades-centro juninas de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia tiveram 1 bilhão de reais em prejuízos. O tiro em cheio da crise se deu pela imprevisibilidade de que este período não seria realizado, acertando nos costumes que atravessam décadas contribuindo para a terciária, agricultura, entre tantas outras áreas que poderiam ser listadas aqui, estas que passam o ano inteiro investindo para tentar lucrar naquele espaço-tempo.


Caruaru-PE, que, segundo a sua Secretaria de Turismo, atrai em torno de três milhões de visitantes só no São João, deixou de gerar 13 mil empregos diretos e indiretos pela paralisação em 2020. A sua rival pelo título de "Maior São João do Mundo", Campina Grande (PB), não ficou atrás nas consequências do imprevisto morbo e, ao lado do outro grande polo Mossoró (RN), as três gravaram e transmitiram vídeos e ao vivos de apresentações musicais pela internet e estudam datas para remarcarem os seus respectivos São João.


As consequências também chegaram quentes nas capitais e nas pequenas cidades. No caso de uma metrópole, onde há diversas subculturas espalhadas pelos mais variados bairros e classes sociais, já era de se esperar que a falta da festividade também levantaria saudades. A Região Metropolitana do Recife, por exemplo, tem um calendário particular em cada cidade e bairro no período junino. "O São João sempre trouxe muitos visitantes para aqui com os shows que acontecem na Casa da Rabeca - um espaço voltado exclusivamente para cultura sertaneja. O caminho até lá era todo decorado com luzes, a avenida ficava tomada de gente e os moradores faziam das suas casas pontos de venda de comidas e bebida", lembra Waleska Ribeiro, moradora do bairro Cidade Tabajara, em Olinda.


Nos interiores dos estados nordestinos, onde é mais comum a comemoração de São Pedro (dia 29) do que a de São João (dia 24), a menor quantidade de rotatividade econômica evidencia alguns prejuízos que parecem pequenos aos olhos de uma visão macroeconômica, mas que acabam atingindo em peso as famílias de baixa estabilidade financeira. Por exemplo, Mário Chagas, agricultor da cidade de Teixeira, no Sertão do Cariri da Paraíba, passou o ano juntando galhos que julgava bom para fogueiras no intuito de vendê-las no período junino e usar o dinheiro para renovar a sua plantação de batata doce.

"O cancelamento das festas me 'lascou', mas pelo menos eu e a minha família estamos bem de saúde. É o que importa", pontua o agricultor.

Alavantú

Na tradição católica, Santo Antônio, além da fama de casamenteiro, é o maior representante da partilha. Já São Pedro simboliza a continuação da fé, já que foi o primeiro a professar aquela crença. São João Batista, o único santo de toda a Igreja Católica que tem o dia do seu nascimento e o dia da sua morte celebrados, em um resumo pouco litúrgico e muito prático, ficou conhecido por trazer a "boa nova". Por motivações tortuosas, as atuais festividades juninas estão alusivas aos princípios metafóricos das histórias dos seus originários.

Campina Grande realizou o seu São João em transmissões ao vivo nos dias 23 e 24, com atrações como Elba Ramalho e Luan Santana. Já Caruaru realizou o "São João Solidário", uma arrecadação de cestas básicas para serem direcionadas à população afetada pelo cancelamento da festa, como barraqueiros, artesãos, bacamarteiros, entre tantos outros. Mossoró-RN, Patos-PB, São Luiz-MA, Petrolina-PE, entre outras cidades conhecidas pela época, também seguiram nas lives.


Alavantú (en avant tous) é dito nas quadrilhas juninas quando todos os casais precisam ir para a frente, custe o que custar. É impossível encontrar um alavantú entre tantos anarriês que a Covid-19 trouxe, mas a força coletiva que representa a união e a alegria que o período junino traz em sua história impulsionou improvisos positivos. Entre partilhas solidárias e uma fé inabalável dos amantes das festas juninas e dos seus simbolismos, há um tipo de "boa nova" em saber que o São João segue aguentando firme junto com o seu povo.

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