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O que a BNCC e a educação socioemocional têm a nos ensinar?

Atualizado: 22 de out. de 2019


Arte: Maria Júlia Moreira

Coluna assinada por Amanda Borba


Não é de grande prudência entrarmos em 2020 ignorando problemas como a depressão, a autolesão sem intenção suicida (comumente chamada de automutilação), o bullying, a tentativa de suicídio e o suicídio concretizado. Por causa disso também, não poderemos encarar o novo ano que se aproxima sem pensarmos sobre educação socioemocional.


Não por acaso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que tem força de lei e determina as bases de aprendizagem da educação básica brasileira, achou por bem tratar do tema como uma obrigatoriedade no currículo das nossas crianças. Mas por que essa exigência justamente agora?


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020 a depressão será a doença mais desafiante do mundo. Estima-se que mais de 300 mil pessoas convivam com a enfermidade nos dias de hoje, e o Brasil encontra-se em primeiro lugar no ranking da América Latina. Cerca de 6% dos brasileiros são vítimas da doença, e esse número aumenta quando passamos a considerar os casos de transtorno de ansiedade. As condições de saúde mental são responsáveis, atualmente, por, aproximadamente, 16% das doenças e lesões, a nível global, em pessoas entre 10 e 19 anos. Dados da OMS, de 2019, apontam o suicídio como a terceira causa de morte entre adolescentes, de 15 a 19 anos. Dentre as causas listadas está a depressão – junto a outras patologias, como a esquizofrenia.


Embora a depressão não seja um problema exclusivo das faixas etárias infantil e jovem – pois há de crianças a idosos enfrentando quadros depressivos –, as fases da vida em que acontecem grandes transformações – como da infância para a adolescência – oportunizam, além da doença, comportamentos perigosos, como a autolesão sem intenção suicida (ato de se cortar, arranhar ou qualquer tipo de autoagressão direta ao corpo sem intenção consciente de suicídio) e o bullying, um dos principais problemas enfrentados atualmente nas escolas.


Assim, a BNCC, que tem como cerne de sua proposta dez competências gerais a serem trabalhadas ao longo do ano letivo, de forma transdisciplinar, propõe que três delas somem esforços para reverter esse quadro no ambiente escolar. O documento entende como competência “a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas da vida cotidiana, do exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. Dessa forma, as competências 8 (autoconhecimento e autocuidado), 9 (empatia e cooperação) e 10 (responsabilidade e cidadania) exigem adequação imediata do material didático e do currículo escolar aos desafios que se apresentam no campo das emoções e do convívio social. A Base propõe a educação socioemocional tanto do ponto de vista teórico quanto prático, indicando, inclusive, a necessidade de se explorar o protagonismo do estudante no processo de aprendizagem.


Tal proposta de transformação da engrenagem educacional, que sai da preocupação exclusiva com o desempenho cognitivo e passa a reconhecer a importância de se educar as emoções para o desenvolvimento pleno do indivíduo, configura-se como uma resposta emergencial às taxas anteriormente apresentadas. A crise, de uma forma ou de outra, tem pressa e exige medidas compulsórias. Tornou-se insustentável, por exemplo, fechar os olhos à crescente violência no ambiente escolar – que por vezes é física e visível, mas que, na maioria das vezes, é emocional e cresce perigosa e silenciosamente. Por isso que o que deveria, no melhor dos cenários, ser trabalhado como um programa de desenvolvimento e promoção da saúde precisou da força da lei para acontecer. A emergência exigiu a obrigatoriedade.


Como os sistemas de ensino e as escolas irão se adaptar a isso são cenas dos próximos capítulos; e digo, de antemão: “o andar dessa carruagem” precisa ser acompanhado com o rigor que a questão merece. Educação socioemocional não pode ser vitrine de campanha política, por exemplo, nem simples diferencial mercadológico para instituições particulares. Pelo contrário, deve ser um compromisso permanente de todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento das crianças e por isso precisa também, e mais do que nunca, do estreitamento da relação família-escola.


Na última terça-feira (15), foi comemorado o Dia dos Professores, e aqui fica, além dos parabéns, uma proposta de reflexão, já que é a esses que será lançado o maior desafio: resgatar a formação de educadores, há muito perdida por imposição de uma ordem educacional fragmentada em disciplinas, conteudista e a serviço do capital. Uma ordem que, se tudo correr como o esperado, deverá se adequar às necessidades de um novo tempo, que anseia por uma revisão de perspectivas e paradigmas.

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