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Prejuízo incalculável: o derramamento de óleo e as incertezas de quem vive do mar

Atualizado: 19 de mar. de 2020

Reportagem: Bruno Vinicius e Camila Alves



Arte: Cora Sales

O termômetro marca acima dos 30° C no município de Ipojuca. A sensação térmica, porém, ultrapassa fácil essa marca no Litoral Sul de Pernambuco. Na praia do Cupe, numa faixa tomada por resorts de luxo e poucos restaurantes, o mar ostenta um azul expressivo por entre o paredão de corais. A pouco mais de 10 quilômetros dali, o encontro das águas do rio com o oceano, no Pontal de Maracaípe, recebe barracas, jangadas e aparelhos de som, dividindo o estuário com os cavalos-marinho no mangue. É manhã de domingo. Mas a faixa de areia está mais espaçosa que o usual neste período do ano.


“O pessoal desistiu de vir pra praia. Você pode ver... final de semana sem ninguém. E isso aqui representa minha fonte de renda e o sustento da minha família”, conta o jangadeiro e comerciante Betinho, sentado na proa da jangada que conduz há três anos. A experiência local, no entanto, vai muito além. Há 28 ele vive entre as praias de Maracaípe, Porto de Galinhas e Serrambi.

Foto: Reprodução/IBAMA

Cupe e Maracaípe, no município de Ipojuca, são apenas duas das 342 localidades - segundo relatório do IBAMA, publicado nesta terça-feira (5) - atingidas pelo derramamento de óleo no mar, desde o fim de agosto. Enfrentaram um cenário menos caótico que outras no Nordeste. Ainda assim, moradores, trabalhadores e pescadores locais vivem a incerteza e sofrem as consequências do desastre ambiental.


“Apoio de Prefeitura, a gente (comerciante) não tem. Não veio ninguém aqui pra perguntar ‘Cris, como é que tu tá?’”, conta Cristiane Chalaça, comerciante com 56 anos de idade e 37 de bar na praia de Maracaípe. Com uma palhoça na areia e o restaurante a poucos metros dali, numa rua calçada em paralelepípedos, Cristiane empregava funcionários locais, além de vindos de Nossa Senhora do Ó e Serrambi. Precisou demitir. Hoje, mantém-se com outras duas mulheres conduzindo o espaço.






“O povo está com medo de comer peixe. E eu trabalho com isso. Caranguejo, marisco, sururu. Se a gente não correr atrás, a tendência é piorar. Meu almoço dia de domingo vai até 18h e não tem ninguém, vê… um casal almoçando”, conta Cristiane, olhando os dois clientes sentados na mesa ao lado.




A realidade da mesa não é diferente da que vem do mar. Sem segurança, pescadores estão deixando de exercer atividades. As incertezas se estendem à manutenção de renda durante o período de recessão. Isso porque apenas 400 produtores de lagostas, dentre as oito mil pessoas que trabalham com a pesca no litoral pernambucano, terão acesso à seguridade social nos próximos meses.



O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por sua vez, se prontificou a pagar uma parcela extra do seguro-defeso, benefício social de um salário mínimo, concedido a pescadores durante a reprodução das espécies, que acontece de dezembro a maio. A produção de camarões e lagostas chegou a ser restrita em cinco estados da região, incluindo a divisa de Alagoas e Pernambuco, mas a proibição foi revogada na última sexta-feira. O Governo, no entanto, não apresentou os estudos técnicos que embasaram a nova decisão.


"O pessoal fica com um pouco de receio, mas a gente mostra o pescado novinho, as guelras vermelhas. Pra ver que o peixe está saudável", conta Alex Santos, enquanto percorre às pressas o trajeto entre a barraca de frutos do mar em que trabalha há dois anos e os guarda-sóis na beira da praia.


Por ausência da União, o Estado está montando sua força-tarefa no cadastro de pescadores em situação de risco. Por outro lado, não detalhou recursos investidos. O levantamento está sendo realizado pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e Desenvolvimento Agrário (SDA); Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e representantes de organizações de pescadores, entre associações, federações e colônias de pescadores.


Foto: Marly Ribeiro/Secom/Prefeitura de Ipojuca

“A REGIÃO AQUI ESTÁ COMPLETAMENTE APTA À FREQUENTAÇÃO DE TURISTAS”


Poucas passadas separam o início da faixa de areia na praia do Cupe das espumas do mar. Naquela tarde de domingo, dia 27 de novembro, o azul refletido nas águas é convidativo. Pouco parece contar uma história de agressão ambiental e humana. Mas a cada movimento de onda, um rastro de pequenas manchas de óleo se desenha pela areia molhada.


Foto: Marlon Diego/Retruco

“O pessoal está pedindo óleo (de cozinha) pra se limpar, porque você toma banho na praia, e se sentar na areia fica cheio de piche. Joelho, pé. Cada um que vem pede um copinho”, conta Miriam Maria, dona de uma das barracas que cobrem a faixa de corais na Praia do Cupe. Um dia antes, o ministro do turismo Marcelo Álvaro Antônio havia pisado a poucos metros dali, em Muro Alto. Arregaçou as dobras da calça, molhou pés e mãos na água, e garantiu: “A região aqui está completamente apta à frequentação de turistas.”


A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), porém, não recomenda os banhos nas praias de Muro Alto e Cupe, em Ipojuca, assim como em outras 16 localidades do litoral de Pernambuco. Análises das águas, areias e pescados devem ser divulgados por órgãos especializados na próxima semana. "A maioria dos moradores daqui de Maracaípe se locomoveu e ajudou a limpar a água. A gente não está vendo mais resíduo de óleo. Apesar de que estamos sendo proibidos de tomar banho de praia", conta Natali Oliveira, filha de jangadeiro e moradora do Litoral Sul há 25 anos.


Porto de Galinhas, onde o ministro esteve, movimenta 500 mil turistas durante a alta temporada, que se inicia neste mês. Só no ano passado, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou uma movimentação de R$ 62,1 bilhões para o setor no Nordeste, que ainda possui destinos turísticos como Maragogi (AL), Pipa (RN), Lençóis Maranhenses (MA), Jericoacoara (CE), Costa do Sauípe (BA) e Costa do Dendê (BA), que dentre outras praias inclui Morro de São Paulo. Diante disso, o Ministério do Turismo anunciou a liberação de R$ 200 milhões em créditos para microempreendedores, através do Fundo Geral do Turismo (Fungetur) - fundo de financiamento administrado por instituições bancárias públicas, com operação no Nordeste pela Caixa Econômica Federal e Banco do Estado de Sergipe. A iniciativa, porém, só abrange microempreendedores formais, sem pendências trabalhistas junto ao governo. Nos últimos editais lançados pelo fundo, barraqueiros, jangadeiros, vendedores de coco ou pescadores artesanais ficaram de fora.


“Esses dias mesmo, que pego passeio (de jangada), perguntam se chegou óleo. Eu tenho que falar a verdade. Chegou, mas não como em Carneiros, Maragogi...", afirma Betinho.
Foto: Marlon Diego/Retruco

Sentado na proa da jangada, com um chapéu colorido protegendo o rosto, Betinho conta que o pouco óleo que chegou ao Rio Maracaípe - um dos oito estuários contaminados em Pernambuco nas últimas duas semanas, segundo a CPRH - foi retirado por jangadeiros, comerciantes e moradores numa manhã de sábado. “Se tivesse aquela quantidade de óleo, o estuário estava acabado”, comenta.


Embora os impactos na foz do rio não sejam visíveis, o ecossistema é o mais vulnerável entre os atingidos. Clemente Coelho, professor da Universidade de Pernambuco (UPE), explica que esses berçários podem sentir impactos agudos, a curto prazo - como o sufocamento das árvores, com o óleo impregnado nas raízes -, e crônicos, ao longo do tempo - com a liberação de moléculas nocivas à fauna e flora após a decomposição do petróleo.


“A grande discussão agora é como se retira esse óleo dos estuários, com o comitê de crise. Ainda não há um protocolo para a limpeza do mangue, principalmente, pela dificuldade. Os produtos que são sugeridos podem ser mais nocivos que o próprio óleo para os ecossistemas. Em outros casos, a poda das árvores também não é recomendável, porque também há impacto”, ressalta.


Do sol escaldante, correria e agitação por entre as barracas, à calmaria. Tem sido a rotina daqueles que, há décadas, vivem das águas. Dois meses após o primeiro indício de óleo nas praias do Nordeste, o que dita o futuro é a incerteza. “Tem muita gente triste com isso. O medo de todo mundo, o maior cuidado que a gente tem é o estuário, não prejudicar os cavalos-marinho. Se não acaba a fonte de renda aqui”, alerta Betinho.

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