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Segurança pública: o que os principais candidatos propõem?

Atualizado: 6 de jan. de 2021

Arte: Gabriella Borges

As eleições municipais se aproximam e várias confusões de competências assombram eleitores e candidatos. Quais as diferenças entre o que devem fazer os níveis municipal, estadual e federal? É difícil distinguir com clareza e essa dúvida afeta diretamente nosso poder de decisão na hora do voto, afinal precisamos saber que promessas as candidatas poderão efetivamente fazer e cumprir. Nesta coluna, discutirei o tema da segurança pública no nível municipal, usando como exemplos as propostas das quatro principais candidaturas à Prefeitura do Recife nas eleições de 2020 – em ordem alfabética, João Campos (PSB), Marília Arraes (PT), Mendonça Filho (DEM) e Patrícia Domingos (Podemos). Apesar do enfoque nas candidaturas recifenses, a ideia do texto é dar à leitora a base de conhecimento necessária para avaliar um programa de segurança pública em qualquer município.


Comecemos pelo que o município é responsável na segurança. As diferentes competências de União, estados e municípios na segurança pública são definidas pelo art. 144 da Constituição Federal. Ele estabelece que a segurança pública é dever dos estados, mas direito e responsabilidade de todos. Assim, tendo o controle sobre as principais instituições responsáveis pela segurança – as polícias militar e civil – o grande peso da segurança cabe aos governos estaduais. Mas, como colocado pelo texto constitucional, os outros entes federativos também possuem certas responsabilidades. O governo federal é responsável por instituições específicas como as polícias federal e rodoviária, por exemplo. Na prática, sua principal influência encontra-se no repasse de verbas para financiamento de programas de segurança nos estados. O governo municipal, por sua vez, constitucionalmente tem sua influência restrita à estruturação de guardas municipais, cujo objetivo é a proteção dos bens, serviços e instalações dos municípios.


Contudo, nas últimas décadas, os municípios têm adquirido posturas cada vez mais proativas na segurança pública. Isso tem acontecido por três principais razões. Primeiro, devido à concentração espacial da violência, que se concentra em grau desproporcional nas grandes cidades em comparação às áreas rurais. Ou seja, o controle do crime é efetivamente um problema urbano e, muitas vezes, local. Segundo, porque a violência é uma questão complexa que envolve diversos fatores. Não é só a quantidade de policiais armados nas ruas que determina os níveis de violência – pelo contrário, fatores como o acesso a serviços básicos, como educação e saneamento, e questões socioeconômicas estruturais, como emprego e renda, são muito mais influentes nos níveis de violência e crime. Nesse sentido, como as responsabilidades municipais com organização urbana, saúde e educação influenciam diretamente a segurança pública (e vice-versa), é natural que essa variável seja também de interesse municipal. Terceiro, porque o medo da violência e do crime é um fator psicológico marcante para a população e, portanto, extremamente estratégico eleitoralmente.


Pernambuco tem sido um estado onde o debate municipal sobre a segurança tem ganhado um destaque especial. Nas últimas décadas, o Pacto Pela Vida contribuiu com a estruturação institucional da segurança pública no estado, motivando gestores públicos e políticos a replicarem o modelo no nível local. Além disso, a própria gestão estadual do Pacto tem buscado parcerias locais e incentivado a profissionalização das gestões de segurança municipais. Algumas cidades formularam planos sofisticados de segurança municipal, como Caruaru sob Raquel Lyra (PSDB) e Recife sob Geraldo Júlio (PSB), onde diversas variáveis que influenciam o controle do crime e da violência são consideradas, como urbanismo, lazer, capacitação profissional e recortes de gênero, território e renda, por exemplo. O exemplo de política multissetorial de segurança municipal é provavelmente a instalação dos COMPAZ, os Centros Comunitários da Paz, no Recife. Esses centros estão sob a administração da Secretaria de Segurança Urbana e provêm atividades de lazer, como esportes e eventos, capacitação profissional, acesso a serviços públicos, desde o Procon até a Defensoria, e são instalados em territórios relevantes estrategicamente para o controle da violência – atualmente, um no Alto Santa Terezinha e outro no Cordeiro.


O principal aspecto positivo desses planos e intervenções é a forma sofisticada de pensar a segurança pública além da repressão policial, utilizando a maior flexibilidade que os municípios têm para enfrentar esse problema por não administrarem as polícias. Contudo, há evidentemente limitações na execução e no planejamento dessas estratégias. Primeiro, porque intervenções como os COMPAZ custam dezenas de milhões de reais aos cofres públicos destinados a obras faraônicas concentradas territorialmente – o que é estratégico do ponto de vista político, pois cria símbolos facilmente identificáveis da atuação governamental, mas possivelmente ineficiente do ponto de vista orçamentário. Segundo, porque é difícil fugir da grande pressão política por intervenções de segurança tradicionais centradas na repressão policial, o que muitas vezes faz com que a política de segurança, sofisticada no papel, regrida ao feijão com arroz punitivo na prática. Mesmo assim, ao propor intervenções multissetoriais e dedicar capital político a executá-las, alguns governos municipais pernambucanos saem muito à frente dos seus pares nacionalmente.


Na análise das propostas dos candidatos à Prefeitura do Recife, é justamente essa perspectiva sofisticada da segurança pública que supera a noção simplista repressiva que buscarei. Vejamos os trechos dos programas de governo que tratam da segurança em cada uma das quatro candidaturas (em ordem alfabética):

Como explicado, segurança pública não é o ponto central das responsabilidades municipais e, portanto, não deve receber espaço de destaque no programa de uma candidatura à Prefeitura do Recife. Mesmo assim, a partir desses pequenos trechos já é possível ter uma noção da perspectiva de segurança pública de cada um dos candidatos.


O ponto mais notável é que a análise do que a Prefeitura do Recife pode fazer em relação à segurança pública nas propostas de João Campos e Marília Arraes é mais sofisticada do que nos programas de Mendonça Filho e Patrícia Domingos. Propostas como armar a guarda municipal, implantar câmeras (Mendonça) e dar cursos sobre drogas para a juventude (Patrícia) mostram uma visão restrita e redundante da atuação da Prefeitura. Afinal de contas, o governo do estado já possui efetivo armado na polícia militar, câmeras já têm sido instaladas em áreas como a orla de Boa Viagem e o Recife Antigo e possuem efeito limitado em áreas mais violentas (além de serem ineficientes no combate à violência doméstica, por exemplo), e cursos já são previstos pela legislação de drogas como medida a ser aplicada a usuários (e não possuem quaisquer efeitos positivos comprovados pela literatura).


Por outro lado, os programas de João e Marília focam na prevenção, ao invés da repressão, explorando as principais possibilidades de atuação da Prefeitura sem ser redundantes com a atuação estadual. Marília se destaca ao dedicar atenção às consequências negativas que a política repressiva de segurança traz à população negra através do encarceramento em massa – a única dos quatro a tocar nesse ponto. João, por sua vez, se destaca pela sofisticação com a qual descreve a atuação da Prefeitura, deixando claro o enfoque em estratégias de não violência. Além disso, é mais descritivo que Marília ao listar intervenções espaciais e critérios territoriais consistentes como base para a política de segurança, enquanto a candidata se restringe a ideais mais abstratos.


Em resumo, um bom programa de segurança pública municipal é prioriza a prevenção e descreve intervenções concretas. Patrícia foca quase exclusivamente na repressão e não apresenta ideias viáveis ou compatíveis com as possibilidades da Prefeitura. Mendonça é bastante propositivo e lista políticas de prevenção focadas na melhoria urbanística, mas prioriza intervenções repressivas, como armar a guarda municipal. Esses dois candidatos, em níveis diferentes, apresentam programas redundantes à política de segurança estadual de segurança, deixando de explorar as possibilidades mais sofisticadas que o âmbito municipal oportuniza. Marília, por sua vez, prioriza a prevenção e destaca as consequências negativas que o encarceramento em massa tem trazido à população negra. Por outro lado, não descreve intervenções concretas. Por fim, João apresenta um programa que prioriza a prevenção, é propositivo ao listar intervenções urbanísticas, e deixa claro ter conhecimento sobre a atribuição estadual ao fazer referência a parcerias com as polícias militar e civil no âmbito da repressão.


Há muitas outras variáveis a serem consideradas no voto além da política de segurança, inclusive mais importantes para uma candidatura à Prefeitura. Contudo, os detalhes importam: saem na frente os candidatos que conseguem evitar propostas potencialmente desastrosas e mostrar propostas de qualidade que indicam uma visão mais sofisticada do que são as atribuições da Prefeitura.


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